Reoperações em artroplastia total do quadril: o que o desenho do implante, a idade e o sexo revelam
Por que olhar além da “revisão” do quadril
Tradicionalmente, o sucesso da artroplastia total do quadril (ATQ) tem sido avaliado quase só pela taxa de revisão do implante – isto é, quando a prótese é trocada cirurgicamente.[5][6] Porém, muitos pacientes sofrem reoperações importantes sem troca de implante, como no tratamento de fraturas periprotéticas do fêmur (fraturas ao redor da haste, tratadas com fixação, mantendo a prótese). Essas complicações aumentam morbidade, risco de mortalidade e impacto funcional, mas ficam “invisíveis” quando se olha apenas para revisões clássicas.[5][6]
Estudo em grande base nacional: o que foi feito
Em um grande estudo de coorte retrospectivo utilizando o National Joint Registry (NJR) do Reino Unido, ligado ao banco de dados Hospital Episode Statistics, foram analisadas 372.967 ATQs primárias com implantes modernos e alto índice de segurança, realizadas entre 2010 e 2020.[1][2][5] O seguimento mediano foi de aproximadamente 5,4 anos, somando mais de 2,1 milhões de “anos‑prótese” em risco.
Os autores definiram reoperação maior como:
– Primeira revisão de prótese por qualquer causa;
– ou fixação de fratura periprotética femoral pós‑operatória (POPFF) com manutenção do implante.
Essa definição foi construída a partir da combinação de códigos de procedimento e diagnóstico, permitindo capturar tanto revisões tradicionais quanto grandes cirurgias de salvamento sem troca do componente.
Principais resultados em números
Foram identificadas 8.043 reoperações maiores ao longo do acompanhamento.
Quando se incluíram essas cirurgias (revisão + fixação de POPFF), a incidência de reoperação foi de cerca de 3,78 por 1.000 anos‑prótese, contra 3,00 por 1.000 anos‑prótese quando se considerava apenas revisões de implante.[5][6] Ou seja, a falha de tratamento após ATQ estava subestimada quando só se olhava para revisões.
A incidência cumulativa de reoperação maior em 10 anos foi de aproximadamente 3,1%, mostrando que uma proporção não desprezível de pacientes sofrerá nova grande cirurgia após a ATQ ao longo da década seguinte.
Influência da idade, sexo e desenho do implante
Ao estratificar por idade, sexo e tipo de haste femoral, o estudo encontrou padrões clinicamente relevantes:
– Em homens com 68 anos ou mais, as hastes cimentadas sem colar tiveram desempenho inferior, enquanto hastes não cimentadas com colar apresentaram menor taxa de reoperação maior.
– Em mulheres com 75 anos ou mais, ocorreu o oposto: as hastes cimentadas polidas em “taper” (cônicas), de aço inoxidável, tiveram menores taxas de reoperação maior do que as não cimentadas com colar.
Essas diferenças sugerem que sexo, idade e biomecânica óssea interagem com o desenho do implante e com a forma de fixação (cimentada vs. não cimentada), modulando o risco de complicações como fraturas periprotéticas e necessidade de nova cirurgia.
Impacto clínico e implicações para a escolha da prótese
Os dados do NJR, reconhecido como um dos maiores e mais robustos registros de artroplastias do mundo,[2][5][6] vêm moldando recomendações nacionais de implantes e estratégias cirúrgicas. Ao demonstrar que:
– Falhas de tratamento após ATQ estão sub‑representadas quando se considera apenas a revisão do implante; e
– Certas combinações de idade + sexo + tipo de haste têm menor risco de reoperação maior,
o estudo reforça a necessidade de revisar diretrizes de escolha de implantes para idosos, individualizando por perfil de paciente.
Em termos práticos, os resultados indicam:
– Preferência por hastes não cimentadas com colar em homens mais velhos, desde que as condições ósseas permitam uma boa fixação.
– Vantagem de hastes cimentadas polidas em taper de aço inoxidável em mulheres mais idosas, nas quais a qualidade óssea e o risco de fraturas periprotéticas podem ser diferentes.
Limitações e interpretação responsável
Como todo estudo de coorte retrospectivo baseado em registro, há limitações importantes:
– Possível resíduo de confusão: diferenças de saúde global, fraqueza óssea, comorbidades e complexidade cirúrgica podem não ter sido totalmente ajustadas.[3][5][6]
– Dependência da qualidade do preenchimento dos dados por hospitais e cirurgiões: erros ou sub-registo podem impactar as taxas reais de reoperação.[1][3][5]
– O desenho é observacional: associações não provam causalidade, embora o grande tamanho amostral e a consistência dos dados do NJR aumentem a força das evidências.
Ainda assim, o conjunto de achados é considerado nível de evidência III (coorte retrospectiva), suficiente para informar políticas de saúde, orientar inovação em implantes e apoiar decisões compartilhadas entre cirurgião e paciente.